quarta-feira, junho 29, 2005
Entorpecentes
Gullar
Heroína
Woolf
Crack
Kafka
Ópio?
Não:
Nada que alivie
Ou retire a consciência
Meu vício
na veia
o sangue escuro
as palavras injetadas
o silêncio - a abstinência
a crise
“palavras são erros”
“nada temos a temer, exceto as palavras”
tormento agonizante
dos que não deixam dormir
e deixam febril, desperto:
suspendem a respiração
provocam convulsão
Palavra
quinta-feira, junho 23, 2005
loopings e repetições
e, coisa de poucos dias, começo a ouvir-me em looping. e gosto, e quase sorrio ao descobrir que posso me (re)descobrir, pouco a pouco. e se sou míope, vejo melhor de perto: e mais perto que eu, quem? o eu-lírico? custou-me tempo para perceber, mas é assim de simples. saber-me pelas palavras que mal controlo, mas que aqui estão. ler-me. embarcar em mim mesma, buscar meu centro de gravidade, porque o mundo tem o dele há tempos. saber-me.
"Dane-se nada,
Dane-se tudo,
Quando você está aqui
Dane-se o mundo
Quando você sorri"
quarta-feira, junho 22, 2005
Solstício
Chegava ao meu primeiro solstício, o de verão, sem ao menos sabê-lo. Só sentindo. E gostava tanto que passou a ser minha estação. Mas não pôde, nem podia: pois solstício que é só solstício dura apenas um dia.
Pensava então voltar ao confortável
Pouco a pouco, os dias mais longos. E então sim, estava em minha estação-estância. Mas era isso? Poderia aceitar que não houvesse mudança depois de conhecer meu solstício? O ponto mais alto?
Não. Busco renovação, movimento. Acendo uma fogueira, a Agni, a João, ao Fogo, ao Sol! Exorcizo, dou forças ao Sol, volto à Idade Média; dou-Lhe forças para que Ele doure, para que Ele não desista de mim, de nós.
segunda-feira, junho 20, 2005
Cinema
Bergman para perturbar
Aronofsky para chocar
Kubrick para não respirar
de Sica para não aceitar
Salles para reviver
Sam Mendes para acreditar
Lynch para confundir
Almodóvar para surrealizar
Tarantino para mudar
Godard para sofismar
von Trier para transitar
Buñuel para não entender
Fellini para bucolizar
Kurosawa para sonhar
Glauber para aprender
Scorcese para alternar
Visconti para integrar
“Ir ao cinema com você/Um filme à toa no Paté”
“Baby, vamos ao cinema/a vida é cinema”
“E o filme disse: 'Eu quero ser poema'”
sábado, junho 18, 2005
Possessivos
Tua calma
Meu fado
Teu fato
Minha consoante
Tua distoante
Meu contexto
Teu, contesto
Meu gozo
Teu gosto
Minha alegria
Tua alergia
Meu mormaço
Teu regaço
Meu horário
Teu calvário
Minhas flores
Tuas cores
Meu pudor
Teu calor
Meu amor
Teu temor
Minha conivência
Tua complacência
Nossa convivência
quinta-feira, junho 16, 2005
Quebra-cabeças
Descubro-me
Aos pedaços
Em pedaços
Há que me montar
Aos poucos
Quebrar um pouco
A cabeça
Sou partes
Sou Porto
Seguro
Sou Rio
Em junho
Futuro
Saudades
No punho
Procuro
Sou partes
Sou rio
Sou porto
Sou partição
De um conjunto
Real, imaginário
Denso
Em si
terça-feira, junho 14, 2005
Pólos
De toda forma, o que há é uma incômoda presença, do convidado que não estava na lista, daquele que só esperávamos encontrar mais tarde, ou, quem sabe, não encontrar. Nunca o pôr do sol pode estar mais próximo, e ao mesmo tempo mais distante: nos pólos, não há horizonte: há o infinito. E vida e morte são os pólos, que não se encontram, tendem a infinito e quem sabe lá, longe de olhares curiosos, onde até mesmo as paralelas se encontram, elas não se encontrem?
sexta-feira, junho 10, 2005
Palavra
E então o buscar pelo meio, e as mãos que querem agarrar uma caneta como sua tábua última de salvação, caminho ao exterior, ao comunicar. Ou a língua, inquieta, com essa inominável dormência na ponta, ou debaixo dela. A língua que busca a Língua: e o encontro, o clímax, para o posterior desinteresse e constatação de que não passará, não passou e não passa de restos orgânicos do sentir. Mimetização barata (?) do que se guarda e segue em minhas entranhas, tão carbono e hidrogênio.
Oxigênio.
quarta-feira, junho 08, 2005
Por um dia de (en)fado
mas também disso cá há:
não que haja tantos deles
como os que ouço de lá
nosso céu tem mais estrelas,
e o sol tem muitas cores,
um pedaço de minha vida
e parte dos meus amores
(...)
Minha terra tem problemas
Que eu não encontro cá;
Há, claro, menos temores
Mas eu sou parte de lá:
Lá estão os meus amores
Mas o que custa é pensar
Nas datas qu'eu passo cá
Dias vazios, que há
Resta mesmo é imaginar
Dias de gozo, lá estar
Aos que por acaso não conheçam, trata-se de uma paródia de Canção do Exílio, de Gonçalves Dias, clássico da literatura brasileira.
Suspensão
Minha vida em suspenso;
Um dia deixo de ser suspensão
E me torno precipitado
Apesar de minha grande prudência
Crio decência e saio daqui
Não quero mais minha vida em prosa
Em monografia formato A4
Duzentas laudas
Quero páginas, quero poesia
Mas isso parece muito difícil
E pouco apropriado
Quero reagir, quero efervescer
Uma tentativa:
Crescer
Quero, em verdade,
Ser soluto – essência
Ou solvente – que dilui a densidade desnecessária, equilíbrio
Não pretendo
Ser solução
segunda-feira, junho 06, 2005
sentir-te, sentirti
um comentário seu faz-me subir o sangue
(corar)
um lembrar de você faz-me entrever os dentes
(sorrir)
um som seu faz-me fechar os olhos
(sentir)
um olhar seu faz-me o soslaio converter em mormaço
(cerrar)
um acorde seu faz-me a voz despertar
(cantar)
haveva bisogno de sentirti
sábado, junho 04, 2005
Azul
Confunde essa insuspeita necessidade de escrever. Trata-se de incômodo febril e nervoso, o ato da escritura. Ao menos para mim, a cada dia mais distante desse que poderia ser o meu mundo, mas não. O maldito pragmatismo. O Cansaço.
Não esperava que voltasse por esses dias, nem tanto, nem tão forte. Fazia tempo, e muitas vezes o que mais faço é esperar. Esperar uma reação, esperar que algo, em mim e por mim, se mova. Esperar? Espero e des-espero. E ao desesperar, aceito que não, o azul de Miró não estará lá fora, e certamente não vai me aparecer, ainda que o oceano aqui seja azul. Penso então que mais bem me vai esse céu azul gris, meio byroniano, mas cálido, muito mais do que tantos e tantos dias de inverno com um céu tão azul de doer a vista. Azul bebê, mas azul.
Chega de cores, chega de azul. Chego em mim, acho que finalmente. E custa tanto, tanto. Será necessário partir de mim, meu porto seguro, para encontrar o outro? Outrar-se? Mas ser porto seguro de si é encontrar terra em um navio. Para não marear-se, tomar as rédeas, ter o controle. Conduzo em estrada sinuosa, mas não sou conduzida. Ilusão confortável, talvez. A salvo, por quanto tempo?
sexta-feira, junho 03, 2005
Mañana
Agora tentando entender o que não se pode entender, sem sentido e com sentir. Suena flamenco ao fundo. Sugestões, nada muito além. Pretensão tentar encontrar forma de expressão para isso, pretensão tentar fazer deste um texto inteligível. Não é para ser, é fluxo. Fluxo tem que ser respeitado. Nem sempre seguido, mas respeitado. Para ir contra ele, de forma razoável, temos que entender e conhecer. Isso é respeito? Provavelmente...
Necessidade. Sem conceitos, por ora. Mas queria, queria que você pudesse acompanhar parte disso, mesmo que por meio de um texto que não deve fazer o menor sentido. Confusa, o que legitima a arte? De certa forma, a mesma coisa que legitima o sentir.
Meus três elementos, cinema, literatura e música. Que pretensão, meu deus. Pode se cansar, não são meus. Desde quando uma pessoa de números pode dizer que esses são seus elementos? Sou números, palavras, sentir, pensamento? Ou nenhuma das anteriores, procurando minha resposta, tantas respostas, que vão ficar sem perguntas e outras tantas que eu não vou conseguir juntar com as perguntas...
Cada pessoa tem sua expressão nos elementos. Ou deveria ter, ou a minha mania de categorizar coisas e definir me obriga a isso. Tentativa de ter controle, que nunca tenho. Sou levada, na maioria das vezes, pouco decido. Só não gosto de ter que lembrar isso sempre.
Conforto. Hoje você é flamenco. É cinema em preto e branco, talvez meio Chaplin. Mas eu não gosto de Chaplin, na verdade achava bem bobo. Até que fiquei naive (ou mais sofisticada, sei lá...), e agora gosto de alguma coisa. Por isso mesmo deve fazer sentido... Mas ainda falta um elemento, e estranhamente eu quero saber qual é.